segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Pedagoga que identifica e incentiva superdotados de baixa renda fala da importância de aproveitar esses talentos


Extraído do site : http://oglobo.globo.com/rio/dois-cafes-a-conta-com-maria-clara-sodre-17454198
Maria Clara Sodré: 'Meu sonho é que as escolas sejam tão boas que a gente não tenha que existir' - Mauro Ventura / O Globo

 Dois cafés e a conta com Maria Clara Sodré

A pedagoga carioca Maria Clara Sodré é uma espécie de caça-talentos. Seu foco: crianças de 9 a 11 anos superdotadas de baixa renda. Coordenadora do Estrela Dalva programaestreladalva.org.br, do Instituto Lecca, ela e sua equipe trabalham com alunos do quarto e do quinto ano do ensino fundamental, selecionados em 50 escolas indicadas pela Secretaria municipal de Educação. Mas a peneira é rigorosa: a cada ano, dos 2.500 testados ficam 24. Quem entra tem a vida mudada. Eles são preparados para passar em colégios de excelência, em geral Pedro II e CAp-Uerj. “A média de aprovação é de 90%”, diz ela, que desde 1991 lida profissionalmente com o tema. Fez doutorado com foco em superdotados na Columbia University, de Nova York, lançou o livro “Educação de superdotados: teoria e prática”, coordenou por nove anos o atendimento a superdotados da Escola Americana e criou no ano 2000 o programa Ismart, que também trabalha com alunos de excelência de baixa renda (do oitavo e nono anos). Há dias teve início a seleção de 2016 do Estrela Dalva, que tem patrocínio da Brookfield, do Instituto Lecca, do Instituto Phi e da Vila Olímpica da Maré, e apoio do Metrô.

REVISTA O GLOBO: Por que investir nesses jovens?

MARIA CLARA SODRÉ: Países do Oriente, como Coreia do Sul, procuram esses alunos porque sabem que é dessas cabeças que vai sair o progresso do país. Quando não se dá atenção a eles é como se disséssemos: “Tem uma mina de diamante aqui, mas prefiro usar o terreno para plantar alface.” Se a escola não estimula, eles se desinteressam, se entediam, se dispersam. E aí ou ficam deprimidos ou, se são mais levados, aprontam e são expulsos. Tem até quem tire nota baixa para não ser visto como nerd. Qualquer criança pode nascer superdotada, mas a de classe mais alta é mais facilmente identificada e acompanhada. Já na classe baixa muitos moram em comunidades problemáticas, onde há maneiras de se ganhar dinheiro fácil, e podem virar lideranças do crime. São cabeças fantásticas que o país está perdendo.

Como funciona o programa Estrela Dalva?

Desde 2007 já passaram 216 alunos. Hoje são 60. Durante dois anos, estudam quatro horas por dia aqui. Têm acesso à biblioteca com 2.500 livros. No primeiro ano, a programação cultural é intensa, com idas a museus e centros culturais. E exercitam o pensar diferente. Participam de debates, jogos educacionais e atividades para desenvolver o pensamento crítico e criativo. No segundo ano, o estudo é mais forte. Também há oficinas de temas como arquitetura, direito, robótica, economia, animação e empreendedorismo. Elas ajudam na escolha da faculdade, já que eles não têm maiores referências profissionais, pois são filhos de empregadas, porteiros, faxineiras. Os alunos e seus irmãos ganham ainda bolsa de seis anos da Cultura Inglesa.

Cite exemplos de ex-alunos e de como a vida deles muda.

Matheus, da Maré, não queria ir ao Ciep em que estudava. Passou para o Pedro II de São Cristóvão (em primeiro), para o CAp-Uerj e para o Colégio Militar. Escolheu o CAp e se apaixonou pela escola, onde no sexto ano tirou sete médias 10. Em 2012, por exemplo, os cinco primeiros lugares do Pedro II do Centro foram nossos: Mariana, Joyce, Dílson, Bia e Ellen. Ellen ganhou medalha de ouro na XVII Olimpíada de Astronomia e Astronáutica e de prata no Canguru de Matemática. A mãe da Joyce, uma doméstica analfabeta, morava no emprego. A patroa insistiu para que ela aprendesse a ler. A Joyce ficava olhando os livros no quarto e aos 3 anos aprendeu a ler. Ou seja, mãe e filha aprenderam ao mesmo tempo. Da nossa primeira turma, de 2007, já tem gente cursando Direito, Arquitetura, Biologia, Engenharia.

Como são esses estudantes? Qual o objetivo de vocês?

São crianças precoces, com facilidade para aprender, obstinadas, persistentes, dedicadas, criativas, curiosas, críticas. E que enfrentam muitos obstáculos. Tem mãe que liga e diz: “Meu filho não vai hoje porque estamos deitados no chão, teve tiroteio aqui na porta de casa.” Trabalhamos para que desenvolvam ao máximo seu potencial. A Bia se dizia agoniada com seu colégio, “muito fraquinho”. Meu sonho é que as escolas sejam tão boas que a gente não tenha que existir. Enquanto isso, o que fazemos é ajudar essas crianças brilhantes, de famílias muito pobres, a não terem seus talentos desperdiçados


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