Alencar,
E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (1999). Dificuldades emocionais e sociais
do superdotado. In F.P. Nunes Sobrinho & A. C. B. Cunha (Org.), Dos
problemas disciplinares aos distúrbios de conduta: Práticas e reflexões
(89-114). Rio de Janeiro: Qualitymark.
Também publicado em:
Alencar,
E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do
superdotado. In Alencar. E.M.L.S. Criatividade e educação dos superdotados
(pp.174-205). Petrópolis, RJ: Vozes.
Eunice M.L.Soriano de Alencar
Universidade Católica de Brasília
Angela Mágda Rodrigues Virgolim
Instituto de Psicologia,
Universidade de Brasília
A literatura
existente a respeito de superdotados tem se concentrado especialmente em três
temas. O primeiro deles diz respeito à questão da definição de superdotado e
superdotação; o segundo, ao processo de identificação; e o terceiro, às
diversas modalidades de programas que visam atender às necessidades de
aprendizagem deste grupo e promover condições favoráveis ao desenvolvimento do
talento e do potencial superior.
Questões
relativas a estes temas vêm mobilizando o interesse crescente de educadores e
de sistemas educacionais de diferentes países, fruto de várias fatores, como:
(1) reconhecimento das vantagens para o país
que investe de forma planejada na educação daqueles estudantes que se destacam
por um potencial superior;
(2) necessidade de lidar com as dificuldades
de ajustamento e problemas emocionais observados sobretudo entre superdotados
que não se sentem compreendidos e que não encontram na escola e na sociedade um
ambiente adequado ao desenvolvimento de suas habilidades e aproveitamento de
seu potencial superior.
É o objetivo
do presente texto apontar para algumas dimensões do ajustamento e
desenvolvimento emocional do superdotado. Salientamos, entretanto, que nos
restringiremos aqui apenas ao superdotado que se destaca por um potencial
intelectual superior. Como apontamos em textos anteriores (Alencar, 1986; 1987;
1994a), predomina nos dias atuais a idéia de que a superdotação englobaria uma
diversidade de facetas, sendo considerados superdotados não apenas aqueles
indivíduos que se destacam nas áreas intelectual/acadêmica, mas também os que
apresentam um desempenho elevado em música, artes, xadrez, além de esportes e
liderança. São, porém, aqueles indivíduos que se destacam na área
intelectual/acadêmica os que maior atenção vêm recebendo e serão estes o foco
de nossa atenção, sobre os quais os seguintes aspectos serão abordados:
a) Problemas emocionais e de ajustamento;
b) subrendimento escolar e dificuldades de
aprendizagem em alunos superdotados;
c) diferenças de gênero e os desafios enfrentados
pela mulher que se destaca por um potencial superior em uma sociedade marcada
por fortes estereótipos sexuais;
d) aconselhamento psicológico e orientação ao
superdotado e sua família.
Aos leitores interessados nas questões
de definição, identificação e programas de atendimento, sugerimos a leitura de
outros textos de nossa autoria, como Psicologia
e educação do superdotado (Alencar, 1986); O superdotado: Derrubando um preconceito (Alencar, 1987); e Perspectivas e desafios da educação do
superdotado (Alencar, 1994a).
Problemas Emocionais e de
Ajustamento
Uma análise
das pesquisas realizadas ao longo das últimas décadas chama a atenção para
vários aspectos relacionados à dimensão emocional da superdotação.
O primeiro
aspecto observado é que, dependendo do grau da inteligência da amostra
estudada, aliada a outras variáveis, como classe social, gênero e
possibilidades de contato com colegas de nível similar de inteligência,
dificuldades de ajustamento poderão ou não ser observadas. Terman (1965), por
exemplo, que realizou um dos estudos mais conhecidos na área, com uma amostra
de 1528 indivíduos superdotados, identificados através de testes de QI durante
a sua infância e acompanhados ao longo de várias décadas, chamou a atenção para
o fato de que, contrário à idéia prevalente na primeira metade do presente século,
os superdotados apresentavam, além de uma inteligência superior, um
desenvolvimento físico mais acelerado, eram mais ajustados socialmente e mais
estáveis do ponto de vista psicológico. Entretanto, a sua amostra tinha um QI
médio de 150, eram todos de status sócio-econômico médio, e muitos dos seus
sujeitos tinham sido também apontados pelos professores para compor a referida
amostra. Por outro lado, pesquisas com grupos de alunos com QI extremamente
elevado, por exemplo, igual ou superior a 180, têm apontado para problemas de
ajustamento e dificuldades emocionais menos freqüentemente observados entre
superdotados cujo QI esteja na faixa de 130 a 170. Hollingworth, que realizou
há mais tempo um estudo com alunos que apresentavam um QI muito elevado (pelo
menos de 180) constatou, por exemplo, três problemas principais na amostra por
ela estudada. O primeiro dizia respeito a ausência de hábitos adequados de
trabalho no ambiente escolar. De modo geral, estes alunos não se empenhavam na
escola e passavam considerável tempo alheios e sonhando acordado. Para eles, a
freqüência à escola era tida como perda de tempo, dada a distância entre as
demandas da escola e as suas competências pessoais. Um segundo problema
observado foi a dificuldade por parte destes sujeitos em sua relações sociais.
Embora se empenhassem para ter amigos, o seu grupo de idade não compartilhava
de seus interesses, o que dificultava a sua interação, levando-os a se isolar.
Um terceiro problema observado foi uma certa vulnerabilidade emocional,
explicada por Hollingworth em função da capacidade destes sujeitos de entender
e se envolver com questões éticas e filosóficas, antes de estarem
emocionalmente maduros para lidar com tais questões (Hollingworth, 1942).
Hollingworth
observou, entretanto, mudanças radicais que ocorriam no comportamento de alunos
excepcionalmente inteligentes, quando tinham oportunidade de passar a interagir
com pares similares em inteligência. Alunos que, por exemplo, eram retraídos,
socialmente distantes, não-participantes nas atividades escolares, uma vez em
contato com grupos de idade mental similar, passavam a atuar de uma forma
adequada, dando contribuições significativas nas atividades de grupo e se
comportando como um indivíduo socializado e feliz (em Oshea, 1965).
Observações
similares às de Hollingworth quanto ao isolamento de alunos com inteligência
extremamente elevada também foram feitas por nós em um estudo de caso com um
aluno de inteligência excepcionalmente elevada, cujo QI era de 172 e que
obteve no Scholastic Aptitude Test 710 pontos na parte de matemática quando
tinha 11 anos e 10 meses, resultado este correspondente ao percentil 96 de
amostras universitárias norte-americanas (Alencar & Fleith, 1995). O aluno
que, na época em que coletamos os dados a seu respeito, tinha 12 anos, era,
segundo seus professores, reservado, quieto e preferia trabalhar isoladamente.
Tinha poucos amigos, o que era explicado por seus professores em função da diferença
de idade entre ele e seus colegas de classe.
Muitos
dos problemas que se observam entre alunos que se destacam por um potencial
superior têm a ver com o desestímulo e frustração sentida por eles diante de um
programa acadêmico que prima pela repetição e monotonia e por um clima
psicológico em sala de aula pouco favorável à expressão do potencial superior.
A escola não responde de forma adequada aos alunos que apresentam habilidades
intelectuais superiores, o que ajuda a explicar a apatia e ressentimento
apresentados freqüentemente por estes alunos. Neste sentido, Cropley (1993)
destaca:
"Um número substancial de crianças
superdotadas iniciam a escola com altas expectativas e grande entusiasmo (como
é o caso da maior parte das crianças), mas logo se tornam frustradas e
entediadas. Muitas entram em uma aspiral de desapontamento, passando a rejeitar
a instituição escola e/ou a duvidar de suas próprias habilidades e mesmo seu
valor como pessoa. Muitas lidam com esta questão através do isolamento,
hostilidade ou agressividade, mas podem também aprender em uma idade precoce
que tais problemas podem ser evitados adotando deliberadamente a tática de
"faking bad". Este é um problema especialmente freqüente entre
meninas e membros de grupos minoritários, dada a forte pressão para se
conformar aos valores antagonísticos à alta realização na escola" (p. 96).
Uma análise
do que ocorre com a maior parte dos alunos que apresentam habilidades
intelectuais significativamente superiores na escola foi feita por Terrassier
(1981), que chama de "efeito pigmalião negativo" o que acontece no
ambiente acadêmico. Nota-se que efeito
pigmalião foi um termo introduzido por Rosenthal e Jacobson em 1968 para chamar
a atenção para resultados observados por estes autores em estudos onde
professores, que foram informados a respeito da competência acadêmica e
intelectual superiores de alguns alunos escolhidos ao acaso, passaram a agir de
forma diferenciada com relação a estes alunos, levando-os efetivamente a
apresentar um desempenho que correspondia à avaliação que os seus professores
haviam recebido a seu respeito. No caso do aluno que apresenta um potencial
superior, aspecto este, porém, desconhecido pelo professor, um fenômeno inverso
pode ocorrer. Como o professor não tem idéia do potencial real de alunos que
apresentam habilidades superiores ou uma precocidade intelectual, ele passa a
esperar do mesmo um desempenho na faixa da média, encorajando-o a apresentar um
desempenho muito aquém de suas reais capacidades. Isto, segundo Terrassier,
dificultaria ao superdotado expressar o seu potencial. Acresce-se ainda a
influência do grupo de colegas da mesma série e/ou idade, que também têm
expectativas sobre os seus colegas mais brilhantes, gerando pressão que podem
levá-los a um desempenho muito aquém das possibilidades do superdotado, a par
de várias dificuldades de natureza emocional.
O
descompasso entre o desenvolvimento intelectual e o emocional é também fonte de
tensões e origem de desajustamento. Landau (1990) lembra este descompasso e a
necessidade de que o superdotado seja compreendido com relação a este aspecto,
destacando:
"Em algumas situações, vejo a criança
superdotada como o atleta que corre longas distâncias. À frente de outras
crianças, no entanto, apenas intelectualmente ou em campos específicos. Se não
nos mantivermos a seu lado, para ensiná-la a vencer o intervalo entre o desenvolvimento
emocional cronológico e o intelectual, mais adiantado, ela se sentirá dividida,
solitária e usará toda a sua energia para tentar equilibrar esses extremos de
sua personalidade" (p. XXIV).
Esta
assincronia entre distintas dimensões do desenvolvimento tem sido
sistematicamente apontada por autores os mais diversos. Foi talvez Hollingworth
a primeira pesquisadora a chamar a atenção para este aspecto, ao destacar que
ter a inteligência de um adulto e as emoções de uma criança em um corpo de criança
envolve certas dificuldades (Silverman, 1993). É comum, por exemplo a família
esperar comportamentos típicos de uma criança mais velha por conta das
habilidades intelectuais mais avançadas, o que, entretanto, não ocorre, gerando
insatisfação e irritação de ambas as partes. Estas dificuldades são penosas de
se lidar, tanto pela criança quanto pela sua família. Esta última se espanta
com as reações da criança superdotada, uma vez que espera dela um comportamento
com base unicamente na sua capacidade intelectual mais avançada.
O
desenvolvimento heterogêneo de diferentes áreas foi também investigado por
Terrassier (1979), que propôs o termo síndrome da dissincronia para caracterizar
a disparidade entre diferentes facetas do desenvolvimento do superdotado. Este
autor contrasta dois tipos de dissincronia. Uma, de ordem interna, que ocorre no interior da própria criança e
outro entre a criança e seu ambiente, incluindo tanto a escola como a família.
A
dissincronia de ordem interna diz respeito aos diferentes ritmos de desenvolvimento
que podem ser observados entre as áreas intelectual, psicomotora, lingüística e
afetivo-emocional. Terrassier lembra, por exemplo, que é muito freqüente o
superdotado aprender a ler facilmente em uma idade precoce, encontrando, porém,
dificuldades na área da escrita. A discrepância entre o nível mental e os
níveis psicomotor e gráfico, estes últimos muito mais de acordo com a idade
cronológica do que a idade mental, é mais freqüentemente observada entre
meninos, fazendo com que muitos se sintam frustrados diante de sua inabilidade
de usar as mãos na mesma velocidade de seu ritmo mental, levando-os a reagir
inicialmente com tentativas de controle, que mal-sucedidas geram ansiedade, o
que, por sua vez leva a uma escrita ainda mais irregular acompanhada de
sentimentos de desconforto e frustração.
Outra
disparidade comum é o aluno ter uma habilidade matemática excepcional, sendo,
porém, medíocre em ortografia e escrita. Como a escola tende a esperar que o
aluno progrida de uma maneira homogênea em diferentes campos do conhecimento,
isto pode gerar dificuldades para o aluno, sobretudo de natureza emocional.
Também a
discrepância entre o desenvolvimento intelectual e a maturidade afetiva é
analisada por Terrassier (1979). Este autor considera que o superdotado pode
ser, por exemplo, dominado por medos e ansiedades, oriundos de reflexões que
faz a respeito de problemas enfrentados pela humanidade ou a partir de leituras
sobre temas geradores de ansiedade, com as quais ele não sabe lidar.
Uma análise
dos principais problemas associados às características do superdotado foi feita
por Webb (1993), que lembra que alguns dos atributos intelectuais e de personalidade
comuns entre superdotados fazem com que estes indivíduos experienciem mais freqüentemente
problemas de ordem social e emocional. Alguns dos principais problemas
relacionados por este autor (Webb, 1993, p. 528) são apontados a seguir, embora
Webb lembre também que nenhuma destas características é inerentemente
problemática, sendo antes a combinação de algumas delas que pode levar a um
padrão problemático de comportamento.
·
Característica: Adquire e retém
informações rapidamente.
æ Problema:
Impaciente diante da lentidão dos colegas; não gosta da rotina e da repetição.
·
Característica: Curiosidade
intelectual e atitude inquisitiva; motivação intrínseca; busca por
significados.
æ Problema:
Faz perguntas que incomodam ao professor; tem vasta gama de interesses,
esperando o mesmo dos outros.
·
Característica: Amplo vocabulário e
proficiência verbal; tem amplas informações em áreas avançadas.
æ Problema:
Torna-se entediado com a escola e colegas; visto pelos outros como o "sabe
tudo".
·
Característica: Pensamento crítico
elevado; tem altas expectativas; é auto-crítico e avalia os demais.
æ Problema:
Intolerante ou crítico dos demais; pode tornar-se desencorajado ou deprimido;
perfeccionista.
·
Característica: Criativo; gosta de
novas maneiras de fazer as coisas.
æ Problema:
É questionador e tende a rejeitar o que é tido como conhecido; visto pelos
outros como diferente e fora de compasso. Seu pensamento e ação divergentes não
são sempre apreciados, podendo levar à rejeição por parte dos pares.
·
Característica: Intensa concentração;
longos períodos de atenção em áreas de interesse; comportamento dirigido a
metas; persistência.
æ Problema:
Resiste à interrupção; neglicencia deveres ou pessoas durante períodos de
interesse focalizados; obstinação.
·
Característica: Sensibilidade e
intensidade emocionais; empatia com os outros; desejo de ser aceito pelos
outros.
æ Problema:
Sensibilidade excessiva à crítica e/ou à rejeição dos colegas; espera que os
outros tenham valores semelhantes; sente-se diferente e alienado.
·
Característica: Independente; prefere
trabalho individualizado; confiante em si mesmo.
æ Problema:
Pode rejeitar o que é imposto pelos pais ou colegas; não conformista.
Subrendimento Escolar e
Distúrbios de Aprendizagem em Alunos Superdotados
À primeira vista parece paradoxal falar do superdotado com
subrendimento escolar e/ou distúrbios de aprendizagem, uma vez que a
característica mais conhecida deste grupo seria seu desenvolvimento intelectual
superior. No entanto, há crianças que, apesar de demonstrarem dificuldades de
aprendizagem, que podem ser, inclusive, muito graves, demonstram, não raro fora do ambiente escolar,
um desempenho superior em alguma atividade que lhe é particularmente
motivadora. A literatura internacional tem dado, nos últimos anos, especial
atenção a este grupo, a que se denomina “superdotados subrealizadores” (underachieving gifted), do qual também
fazem parte o GLD (Gifted/Learning
Disabled) ou SDA (Superdotado com
Distúrbios de Aprendizagem). São lembradas como SDA pessoas que se destacaram
no âmbito de suas contribuições ao nível mundial, como Thomas Edison, Albert
Einstein e Auguste Rodin, mas que também apresentavam dificuldades para ler,
escrever e soletrar (Karnes & Johnson, 1991; Yewchuk, 1993; Yewchuk & Lupart,
1993).
Antes de abordarmos os aspectos mais particulares do
superdotado com Distúrbio de Aprendizagem, vamos caracterizar o grupo dos
superdotados que não apresentam um desempenho
acadêmico correspondente ao nível de seus talentos e habilidades.
Subrendimento escolar
Um dos mitos mais difundidos a respeito da superdotação é o
de que se o indivíduo é realmente superdotado, esta condição emergirá por si
própria, e que a criança apresentará sempre alto desempenho, independentemente
das suas condições ambientais e emocionais. Nada mais longe da verdade. A
literatura tem demonstrado que a superdotação, por si só, não garante sucesso
educacional ou produtividade criativa, e que são as condições relacionadas aos
ambientes familiar e escolar, assim como as relações com os colegas, os maiores
determinantes do desempenho acadêmico do superdotado, seja em direção das suas
reais possibilidades, ou em direção ao subrendimento e fracasso escolar (Karnes
& Johnson, 1991; Rimm, 1991).
A grande discrepância entre o desempenho acadêmico do aluno
(as notas obtidas na escola) e as manifestações do seu alto potencial (sejam
alto Q.I., produtividade criativa ou elevado desempenho em áreas artísticas, de
liderança ou psicomotoras) caracterizam estes alunos como superdotados
subrealizadores (Butler-Por, 1993). Esta condição é o resultado de complexas
interações entre o ambiente e as variáveis de personalidade do indivíduo.
Butler-Por (1993, p. 652) ressalta alguns fatores que se
constituem ambiente de risco para a subrealização ou fracasso escolar: a
rejeição da criança, seja na gravidez, seja em seu desenvolvimento, de forma
consciente ou não pelos pais; a comparação da criança com seus irmãos, feita de
forma negativa ou depreciativa; a falta de apoio e reforçamentos apropriados
nas diversas situações de vida da criança; o divórcio ou separação dos pais,
quando tumultuada ou litigiosa; expectativas irrealísticas dos pais sobre a
capacidade da criança; excessiva pressão parental para que o filho atinja os
níveis esperados; atitudes inconsistentes dos pais a respeito das realizações
da criança; falta de segurança e estabilidade no lar. Estes fatores, combinados
ou separados, podem gerar reações emocionais adversas na criança, como autoconceito
negativo, insegurança, comportamento social inadequado, hostilidade e agressão,
expressos pela alta necessidade de afiliação e busca constante de atenção tanto
em casa como no ambiente escolar. Encontra-se também em risco de fracasso
escolar a criança altamente criativa, que pode encontrar relutância em seu
ambiente para aceitar seu pensamento divergente e inconformismo, geralmente
fonte de tensão e conflito com seus pais e professores.
Whitmore (1986) pondera que toda criança gosta de aprender e
de se sair bem na escola e, principalmente no caso dos superdotados, de buscar
a excelência em alguma área do conhecimento que é valorizada pessoal e
socialmente. Não se trata de dizer que a criança é desmotivada; na verdade, ela
apenas desloca sua motivação das atividades escolares para outras atividades
que lhes são mais compensadoras, tais como interação social e devaneio. Talvez
sejam estas uma forma de obter alívio da pressão para buscar a excelência, ou
aumentar o conforto pessoal na tentativa de proteger seu autoconceito do medo
do fracasso ou mesmo medo do sucesso.
Ambientes escolares não apropriados também colocam a criança
em risco de subrealização escolar. Seeley (1993) ressalta que muito do fracasso
escolar do aluno é devido ao fracasso da própria escola em prover ambientes de
aprendizagem apropriados para as crianças em seus diferentes estilos de
aprendizagem. Para tal, seria necessário que professores e pais trabalhassem
juntos, promovendo as modificações necessárias ao atendimento tanto das
necessidades especiais da criança superdotada, quanto oferecendo a ela o
necessário suporte e apoio. Modificando o programa escolar neste sentido, a
motivação para um bom desempenho acadêmico certamente irá aumentar. Conforme
pontua Whitmore (1986), a motivação para realização é a resposta normal e
esperada que segue o desejo da criança de obter conhecimento, habilidades
específicas, se tornar competente e obter sucesso em metas valorizadas, de
forma a ter suas necessidades especiais adequadamente atendidas. O correto
diagnóstico do que acontece no ambiente que a dificulta desenvolver o seu
potencial de forma plena é de fundamental importância para reverter o dramático
quadro da subrealização em alunos superdotados.
Distúrbios de aprendizagem em alunos superdotados
Tradicionalmente, aqueles alunos que apresentam uma
substancial discrepância entre o desempenho acadêmico e suas reais habilidades
são diagnosticados como portadores de Distúrbios de Aprendizagem (Baum, 1984;
1988; Baum & Owen, 1988). No entanto, tal diagnóstico fica ligado à questão
de como reconhecer e avaliar o potencial individual acuradamente (Butler-Por,
1993) em um grupo de alunos que, pela própria natureza do distúrbio, têm suas
habilidades verdadeiras mascaradas. Para compreender melhor o problema, vamos
inicialmente caracterizar os dois grupos separadamente: o portador de
Distúrbios de Aprendizagem e o Superdotado com Distúrbios de Aprendizagem, já
que este último compartilha com os primeiros diferentes aspectos,como por
exemplo, características comportamentais e motivacionais.
O portador de distúrbios de
aprendizagem
A definição oficial americana de Distúrbios
de Aprendizagem, de 1975, define as categorias de excepcionalidade e sugere
procedimentos apropriados de identificação e educação. Os alunos com distúrbios
de aprendizado são definidos como
“... aquelas crianças que apresentam uma
desordem em um ou mais processo psicológico básico envolvido no entendimento e
uso da linguagem, falada ou escrita, cuja desordem pode se manifestar na
habilidade imperfeita para ouvir, pensar, ler, escrever, soletrar ou fazer
cálculos matemáticos. Tais desordens incluem condições como deficiências
perceptuais, dano cerebral, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia
desenvolvimental. O termo não inclui crianças com problemas de aprendizagem
resultantes principalmente de deficiências visuais, auditivas ou motoras, de
retardamento mental, de distúrbio
emocional ou deficiências ambientais, culturais ou econômicas.
Uma
equipe pode determinar que uma criança tem uma dificuldade de aprendizagem se
(1) a criança não apresenta um desempenho acadêmico de acordo com o esperado
para sua idade e níveis de habilidade em uma ou mais áreas [sete das quais
estão especificadas - expressão oral ou escrita, compreensão auditiva,
compreensão ou habilidade de leitura básica, cálculo e raciocínio matemáticos]
quando provida com experiências de aprendizagem apropriadas para sua idade e
níveis de habilidade; e (2) a equipe percebe que a criança tem uma severa
discrepância entre desempenho acadêmico e habilidade intelectual em uma ou mais
destas áreas” (Baum, Owen e Dixon, 1991, p. 8).
A definição oficial, no entanto, gerou discordâncias no
campo dos Distúrbios de Aprendizagens (DA), pois deixa de considerar questões
como: o tamanho da discrepância para que o indivíduo seja considerado portador
de DA; a não inclusão dos adultos na
definição; a probabilidade do déficit nem sempre envolver disfunções do sistema
nervoso ou problemas com os processos psicológicos; e finalmente o fato de que
também crianças com outras deficiências ou desvantagens poderiam apresentar
este distúrbio (Baum & cols., 1991).
Para combater a confusão criada por essa
definição, outras organizações profissionais propuseram suas próprias
definições, como, por exemplo, a Associação para Crianças e Adultos com
Distúrbios de Aprendizagem - ALCD - que define Distúrbios de Aprendizagem
Específicos como
“...
uma condição crônica de origem presumivelmente neurológica que interfere
seletivamente no desenvolvimento, integração e/ou demonstração de habilidades
verbais e/ou não verbais... Distúrbios de Aprendizagens Específicos existem
como uma condição incapacitante mesmo na
presença de inteligência média ou superior, adequados sistemas sensorial e
motor, e adequadas oportunidades de aprendizagem. A condição varia em sua
manifestação e no grau de severidade... No decorrer da vida, esta condição pode
afetar a auto-estima, a educação, a vocação, a socialização e/ou as atividades
da vida diária do indivíduo” (Baum & cols., 1991, p. 10).
Esta definição enfatiza alguns pontos interessantes, como:
a) É uma condição de origem neurológica bastante específica,
e não geral, apesar de suas múltiplas manifestações;
b) afeta ou interfere com algumas habilidades, deixando
outras intactas, independente do grau de inteligência aferido;
c) apresenta-se em variados graus de severidade na população
e pode afetar não só a vida acadêmica do seu portador, como também a vida
familiar e social, com repercussões na sua vida adulta.
Romero (1995) investigou, na literatura, as relações sociais
das crianças portadoras de Distúrbios de Aprendizagem em comparação com as não
portadoras de DA. Observações sistemáticas na escola revelaram que estas
crianças apresentam maior nível de distração e são mais dispersivas,
apresentando comportamentos inadequados (levantam-se, falam em momentos não
oportunos, gritam, incomodam os demais, etc.), além de participarem menos das
tarefas e atividades de grupo. Testes sociométricos realizados no contexto
escolar também apontaram este grupo como sendo pouco popular, rejeitado ou
ignorado pelos colegas, principalmente quando se trata de trabalhos de grupo,
por serem eles mais agressivos, menos hábeis na realização das tarefas
escolares, incomodarem mais os outros na sala-de-aula e demandarem maior
proporção da atenção do professor, o qual passa a ter uma conduta fundamentalmente
corretiva. Por sua vez, os professores tendem a avaliar de forma negativa os
portadores de DA e a ter baixas
expectativas quanto ao seu futuro. Observa-se que esta postura, comum entre
professores, faz com que este deixe de ser um modelo adequado, afetando não só
o rendimento escolar da criança, como também suas relações sociais. Assim, em
sala-de-aula teremos um aluno mais agressivo, dispersivo, menos atento às
tarefas escolares, com menos habilidade para compreender e participar das
conversações em aula, menos responsável, menos discreto, com menos tato social,
com menos habilidades para enfrentar situações novas, mais frustrado e mais rejeitado socialmente (Romero, 1995,
p. 74).
O fato das crianças portadoras de Distúrbio de
Aprendizagem demandarem mais a atenção
do professor pode ser confundido com a questão da criança dependente, mas não
portadora da condição. Rimm (1991) compara a criança dependente com a portadora
de DA, e relaciona as seguintes diferenças entre os dois grupos:
a)
Enquanto
a criança dependente (D) pede explicações regularmente, com relação a qualquer
matéria, a criança portadora de Distúrbio de Aprendizagem (DA) o faz somente na área em que tem
dificuldade.
b)
D faz
perguntas sobre instruções dadas, independente do estilo de ensino/aprendizagem
usado pelo professor, seja ele auditivo ou visual; já o DA necessita de
instruções apenas no estilo contrário ao seu (ou visual ou auditivo, mas não
ambos).
c)
As
perguntas de D não são específicas do material utilizado, parecendo serem
feitas apenas para chamar a atenção do professor; já o DA faz perguntas específicas
e, uma vez explicado o processo, passa a trabalhar eficientemente.
d)
D
mostra desorganização ou lentidão, mas torna-se mais eficiente quando recebe
reforço, o que não acontece com o DA, cujo progresso não se dá em função de
reforçamento.
e)
A
criança D trabalha apenas com um adulto por perto; o DA trabalha independentemente,
uma vez que o processo tenha sido claramente explicado.
f)
Testes
individuais e medidas de aprendizagem demonstram que a criança D é capaz de
aprendizagem, tendo seu desempenho melhorado com o encorajamento e suporte da
pessoa que administra o teste. Testes individuais ou grupais aplicados ao DA
demonstram falta de habilidades específicas, que não se aprimoram com o
encorajamento.
g)
D exibe
uma linguagem corporal do tipo “pobre de mim” (lágrimas, desamparo, sentimentos
de mágoa) regularmente, frente a um novo trabalho; a atenção do adulto (que
geralmente é alguém em especial, não todos os adultos) serve para facilitar
tais sintomas. Já a criança DA pode exibir
tais sintomas apenas nas tarefas relacionadas às suas áreas deficientes e,
mesmo com a atenção seletiva de um professor mais solícito, o desempenho na
tarefa ainda se mostra inadequado; no entanto, o DA aceita desafios em suas
áreas fortes.
h)
Os pais
de D relatam lamentações, reclamações, busca de atenção, acessos de
temperamento e falta de espírito esportivo em casa; pais de DA encontram mais
esporadicamente estes mesmos sintomas.
i)
D tem
dificuldades em aprender em grupo, mesmo quando o modelo instrucional é
variado; já o DA, apesar de ter uma aprendizagem mais efetiva individualmente,
pode vir a aprender eficientemente em grupo, quando suas deficiências são levadas
em consideração ao ser instruído.
É evidente que também
a criança com reais distúrbios de aprendizagem pode se tornar dependente, o que
pode ser percebido quando ela passa a
produzir ou realizar seus trabalhos escolares apenas quando tem o apoio
de um adulto, independente do material que lhe é apresentado.
Para Romero (1995) as alterações nas relações sociais das
crianças com distúrbios de aprendizagem poderiam se dar em função das seguintes
influências separadas ou combinadas:
a) Percepção e compreensão das situações sociais - A criança
com DA
teria dificuldades em perceber e compreender corretamente as situações sociais, os pensamentos,
sentimentos e motivos dos outros, tendo também dificuldades em entender perspectivas
alheias em situações sociais.
b) Déficits emocionais - a motivação para o sucesso estaria
sendo negativamente afetada pela história de repetidos fracassos e pela
tendência de se deixar guiar passivamente pelos outros, afetando também seu
interesse pelas aprendizagens e atividades escolares.
c) Percepção de si mesmo e dos demais - a criança com DA
tenderia a superestimar as capacidades e habilidades dos demais, o que se
refletiria numa baixa auto-estima, cujos aspectos definidores (sentimentos de
fazer parte de um grupo, reconhecimento do valor pessoal por parte dos demais e
conhecimento das próprias habilidades e competências) estariam negativamente
desenvolvidos. Os elevados níveis de ansiedade e o baixo desempenho acadêmico
fortaleceriam ainda mais a percepção negativa de si mesma, perfazendo um ciclo
de difícil ruptura.
d) Déficits-excessos condutuais - é ainda possível que os
problemas sócio-emocionais da criança portadora de DA estejam apoiados em suas
dificuldades motoras e de autocontrole para dar respostas adequadas e oportunas
aos diferentes ambientes e situações. Isto seria responsável por distúrbios de
conduta, hiperatividade, agressividade, condutas dispersivas, retração social e
outros comportamentos considerados negativos no ambiente escolar.
Uma vez caracterizados os Distúrbios de Aprendizagem,
passemos a entender o superdotado que apresenta esta condição. Como veremos a
seguir, o superdotado com Distúrbio de Aprendizagem (SDA) compartilha com o grupo típico de
alunos que apresentam DA as mesmas áreas de deficiência, ao mesmo tempo em que
apresentam habilidades distintamente acima da média em uma ou mais áreas.
O superdotado com distúrbios de
aprendizagem (SDA)
Dois estudos de caso bastante interessantes que retratam a
realidade de crianças superdotadas com Distúrbio de Aprendizagem (SDA) são
apresentados por Baum e cols. (1991).
Um deles é o de um garoto de nove anos de idade, chamado
Jimmy. Dado como mentalmente retardado na pré-escola, Jimmy experenciou grande
dificuldade para ler e escrever. Possuidor de uma concentração bastante
limitada, ele se distraía com tudo e com todos; freqüentemente se queixava de
dores de cabeça ou de estômago para não ir à escola, que detestava. Ao ser
testado pela equipe escolar por ocasião da primeira série, obteve uma pontuação
de 134 no WISC-R (Wechsler Intelligent Scale for Children, Revised), o que caracteriza
uma habilidade intelectual muito superior à média. Jimmy foi recomendado
para o programa de enriquecimento para superdotados em sua escola, cujos
objetivos se focalizavam nas áreas fortes e nos interesses da criança, e não em
seus déficits e pontos fracos. Na quarta
série, Jimmy resolveu que iria ser pesquisador e fez um projeto sobre a
necessidade do uso de capacetes para bicicleta; montou seus dados com a ajuda
de pessoal especializado na universidade, e levou seu projeto para o
departamento de polícia. Naquele ano, os pais de Jimmy relataram, emocionados,
uma forte mudança nas atitudes da criança com relação à escola, motivação e
realização acadêmica, e o grande esforço que passou a colocar nas atividades de
ler e escrever.
O caso de Neil, relatado pelos mesmos autores, também
ilustra adequadamente o SDA. Para Neil, um adolescente que cursava o 2o
grau, a escola era como “um jogo de basquete, completamente irrelevante para a
vida” (p.2). Seus professores o descreviam como preguiçoso, embora sentissem
que ele poderia fazer mais se aplicasse mais. Seus colegas o viam como o
palhaço da classe, e ele próprio se percebia como desajeitado. Neil começou a
ter dificuldades na 4a série, e a partir daí sentiu muita
dificuldade em acompanhar a turma. Entrou em depressão e seu estado psicológico
era tão precário que se tornou necessário a ajuda de um psicólogo. A avaliação
educacional demonstrou que Neil apresentava Distúrbio de Aprendizagem, que se
manifestava em dificuldade de organização escrita e de realizar tarefas
seqüenciais de álgebra e matemática; mas que também era um adolescente bastante
sensível, perceptivo e criativo, com alta inteligência. Suas preocupações e
interesses eram de natureza mais global, transcendendo os interesses de seus
pares. Por exemplo, munido de sua câmara fotográfica, Neil buscava captar as
diversas disposições de humor das pessoas, e assim perseguia seus interesses
extra-curriculares com entusiasmo e compenetração. Passou a se oferecer para
fotografar festas e ocasiões, e seus ensaios fotográficos lhe valeram prêmios
em competições de fotógrafos amadores. Aprendeu sozinho a tocar piano e violão,
passando horas tocando para seu próprio divertimento. Na escola, fez um
criativo ensaio fotográfico mostrando a profundidade dos seus sentimentos sobre
o tema “Como eu me sinto a respeito da escola”, uma vez que se sentia incapaz
de realizar tal tarefa através da escrita.
Como pode ser visto
através destes estudos de caso, o SDA (superdotado com Distúrbio de
Aprendizagem) exibe fortes talentos e habilidades em algumas áreas (como pensamento
abstrato e resolução de problemas) e fraquezas e deficiências em outras (como memória
e habilidade perceptual). Sem o devido acompanhamento escolar, esta dicotomia
pode levar a severos problemas de comportamento, depressão e falta de esforço
nas atividades escolares (Baum, 1984; 1988). É especialmente confuso para os
próprios indivíduos se perceberem como portadores tanto de altas habilidades
quanto de problemas de aprendizagem, o que leva a sentimentos de desamparo e
frustração, baixo autoconceito e perda de confiança em si mesmos (Baum &
Owen, 1988). Na escola, estes alunos são geralmente agressivos, bagunceiros,
não fazem as tarefas escolares, e quando o fazem, tendem a ser relaxados e
pouco esforçados. Buscando a perfeição,
estes alunos estabelecem altos padrões para si mesmos, e quando não podem
atingi-los, sentem-se fracassados. Sentimentos de desconforto, embaraço e
vergonha, intensa frustração e raiva, assim como dificuldades interpessoais com
os pares, professores e com a família são também características dos SDA, que
podem se transformar em dificuldades emocionais e comportamentais (Gunderson,
Maesch & Rees, 1987; Yewchuk & Lupart, 1993).
Em ambientes não-acadêmicos, porém, os mesmos alunos
imprimem consideráveis esforços para atingir as metas relacionadas a seus
hobbies e interesses; mostram ser ativos solucionadores de problemas,
pensadores analíticos e demonstram forte motivação para a realização das tarefas
(Baum & cols., 1991).
Isto sugere que as dificuldades se originam não apenas na
inabilidade do aluno em prestar atenção, mas também em um ambiente insensível
às reais necessidades e pontos fortes destes alunos. O ambiente escolar, como
tradicionalmente o conhecemos, é claro a respeito de suas demandas: os alunos
devem ser dóceis, permanecerem concentrados, passivos e quietos por longos
períodos e interessados naquilo que o professor está interessado. Assim, na
escola tradicional, o SDA encontra-se em duplo risco: pelo lado superdotado,
tem urgência em descobrir, entender e dominar, preferindo engajamento ativo na
situação de aprendizagem; pelo lado DA, quando a matéria é vista como aversiva,
frustrante ou não-significativa, e quando seus estilos preferenciais de
aprender não são contemplados na tarefa acadêmica, seus níveis de atividade
tendem a aumentar a patamares não permitidos no ambiente escolar, tomando,
muitas vezes, a forma de hiperatividade.
Baum e cols. (1991) explicam a discrepância entre os pontos
fortes e fracos dos SDA através da
Inteligência Integrativa e Dispersiva.
Inteligência Integrativa é a capacidade de entender e
descobrir padrões e conexões em amplas extensões de informação, o que permite
ao aprendiz resolver problemas de formas diferentes e criativas. O pensamento
integrativo mantém intactos os princípios essenciais, padrões e conexões de uma
área do conhecimento, mesmo que suas partes tenham sido mudadas, experimentadas,
manipuladas ou vistas de uma perspectiva totalmente nova. Atividades escolares
que exigem escrita criativa, compreender a idéia subjacente a uma estória,
fazer conclusões, entender quando somar, subtrair, dividir ou multiplicar,
planejar e conduzir um experimento científico, construir uma maquete, desenhar
num mural, entre outras, pressupõem pensamento integrativo, um sentido do todo
e de como suas partes se juntam para formar um todo significativo. Os SDA
demonstram ter pouca ou nenhuma dificuldade com relação a este tipo de tarefa.
Por outro lado, a Inteligência Dispersiva é a que nos
permite lembrar e usar fatos isolados e associações que não necessariamente
precisam fazer sentido em um todo maior, tais como o número do seu telefone ou
o nome daquele artista que pintou a Mona
Lisa; ou perceber como uma determinada palavra é soletrada, não importando se
o som emitido segue outra lógica - a
palavra táxi, por exemplo, pode ser
percebida como t-á-q-u-i-s-i, embora apenas a seqüência t-a-x-i seja considerada
correta.
Observa-se que a Inteligência Integrativa é amplamente
recompensada na escola. Não importa quais outras coisas surpreendentes a
criança possa fazer, pois se ela não conseguir dominar os detalhes dispersivos
da leitura, escrita, aritmética, tudo o mais perde a significância (Baum &
cols., 1991). Em suma, superdotados com Distúrbio de Aprendizagem tendem a ter como área intelectual forte a
Inteligência Integrativa, que os permitem ver padrões subjacentes e conexões em
amplos conceitos e idéias abstratas. Em contraste, eles demonstram uma
inabilidade em desempenhar bem tarefas que envolvem a Inteligência Dispersiva,
como lembrar de fatos isolados e fazer associações para as quais não percebem
conexões. Como já mencionado, esta discrepância explica porque alunos SDA têm
tanta dificuldade com tarefas relativamente simples enquanto desempenham com
facilidade tarefas mais criativas e complexas.
Assim, estas crianças necessitam ser corretamente
identificadas tão logo demonstrem dificuldades no âmbito escolar, devendo ser
planejadas atividades que venham a satisfazer tanto suas necessidades
educacionais quanto suas áreas de interesse e produção criativa. Esta proposta
de atendimento não deve ocorrer em um ambiente de remediação e sim em um programa
que ofereça o desafio necessário para que estes alunos suplantem suas próprias
dificuldades e possam trabalhar utilizando seus pontos fortes como apoio (Baum,
1984; Wees, 1993).
Yewchuk (1993) pontua que a identificação destas crianças
pode se tornar difícil, uma vez que crianças com talentos excepcionais podem
desenvolver estratégias para compensar as áreas deficientes, que só aparecerão
se forem realmente severas. Daí a grande necessidade dos professores estarem
conscientes das características dos SDA. O ideal seria que estes alunos
tivessem oportunidade de participar de um programa de enriquecimento (Gunderson
& cols., 1987; Yewchuk & Lupart, 1993), o que, infelizmente, é ainda
uma utopia no caso do Brasil.
Testes como o WISC-R tendem a mostrar, no grupo de crianças
SDA, maiores pontuações nas medidas de conceituação/compreensão verbal
(Similaridades, Vocabulário, Compreensão) e pontuações mais baixas nas medidas
de seqüenciação/concentração (Aritmética, Códigos e Seqüência numérica) (Baum
& cols., 1991; Gunderson & cols., 1987; Yewchuk, 1993; Yewchuk &
Lupart, 1993). Mas, da mesma forma que o grupo de superdotados, as crianças SDA
não são um grupo homogêneo, podendo mostrar padrões bastante diferentes entre
si. Esta é, pois, uma área que necessita ser melhor investigada.
Yewchuk e Lupart (1993) recomendam que
a identificação dos alunos SDA seja feita em dois estágios. No primeiro estágio
devem ser feitas entrevistas e testes para identificar o grau de inteligência,
criatividade, nível de desempenho acadêmico e autoconceito do aluno, e
entrevistados o professor e os pais a respeito das características do aluno. Em
um segundo estágio, o aluno é convidado para uma entrevista de longa duração (2
a 2 ½ horas), durante a qual ele realiza algumas atividades acadêmicas e todo o material escolar
significativo é também examinado. Procura-se observar ainda como ele organiza,
desenvolve ou lida com tarefas acadêmicas, identificando também seu estilo
cognitivo pessoal de aprender e sua auto-percepção como aprendiz. Com base nos
dois estágios, deve-se delinear um programa específico para o aluno, onde suas
áreas fortes serão reforçadas e as fracas trabalhadas, com o auxílio dos pais e
professores.
O aluno que apresenta a condição dupla
de ser superdotado com dificuldades de aprendizagem necessita de apoio
psicológico especializado. Mendaglio (1993) considera o domínio afetivo o
aspecto mais importante de toda a intervenção com este grupo, devido às
implicações que acarreta nas outras esferas do funcionamento do indivíduo. Na
área de aconselhamento, o “currículo” deve enfocar tópicos como habilidades de
comunicação, conceitos relativos à mudança comportamental, auto-estima,
autoconsciência e aceitação de si e dos outros. Pais e professores devem também
ser engajados no processo de dar suporte afetivo à criança e trabalharem juntos
na obtenção dos mesmos objetivos.
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