segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Superdotado - Características sócio-emocionais do superdotado: questões atuais

Achei muito interessante e sensato este texto. Para os pais que vêm acompanhando as nossas discussões há um certo tempo nos grupos do Orkut, ou do Facebook tem coisas que não são novidades, mas que é sempre bom de se ler ou se lembrar. Para quem ainda não ouviu falar, este artigo nos dá dicas preciosas sobre a personalidade e educação de uma criança superdotada.
É o objetivo principal do artigo focalizar características sócio-emocionais do superdotado.
Em algumas situações, vejo a criança superdotada como o atleta que corre longas distâncias. À frente de outras crianças, no entanto, apenas intelectualmente ou em campos específicos. Se não nos mantivermos a seu lado, para ensiná-la a vencer o intervalo entre o desenvolvimento emocional cronológico e o intelectual, mais adiantado, ela se sentirá dividida, solitária e usará toda a sua energia para tentar equilibrar esses extremos de sua personalidade (p. XXIV).


Esta assincronia entre distintas dimensões do desenvolvimento tem sido sistematicamente apontada por distintos autores, como Coleman e Cross (2000), Moon, (2004), Peterson (2003) e Silverman (1993, 2002). Foi talvez Hollingworth a primeira pesquisadora a chamar a atenção para este aspecto, ao destacar que ter a inteligência de um adulto e as emoções de uma criança em um corpo de criança envolve certas dificuldades (Silverman, 1993). É comum, por exemplo a família esperar comportamentos típicos de uma criança mais velha por conta das habilidades intelectuais mais avançadas, o que, entretanto, não ocorre, gerando insatisfação e irritação de ambas as partes. Estas dificuldades são penosas de se lidar, tanto pela criança quanto pela sua família. Esta última se espanta com as reações da criança superdotada, uma vez que espera dela um comportamento com base unicamente na sua capacidade intelectual mais avançada.



O desenvolvimento heterogêneo de diferentes áreas foi também analisado por Terrassier (1979), que propôs o termo "síndrome da dissincronia" para caracterizar a disparidade entre diferentes facetas do desenvolvimento do superdotado. Este autor contrasta dois tipos de dissincronia. Uma, de ordem interna, que ocorre no interior da própria criança e outro entre a criança e seu ambiente, incluindo tanto a escola como a família.

A dissincronia de ordem interna diz respeito aos diferentes ritmos de desenvolvimento que podem ser observados entre as áreas intelectual, psicomotora, lingüística e afetivo-emocional. Terrassier lembra, por exemplo, que é muito freqüente o superdotado aprender a ler facilmente em uma idade precoce, encontrando, porém, dificuldades na área da escrita. A discrepância entre o nível mental e os níveis psicomotor e gráfico, estes últimos muito mais de acordo com a idade cronológica do que a idade mental, é mais freqüentemente observada entre meninos, fazendo com que muitos se sintam frustrados diante de sua inabilidade de usar as mãos na mesma velocidade de seu ritmo mental, levando-os a reagir inicialmente com tentativas de controle, que mal-sucedidas geram ansiedade, o que, por sua vez, leva a uma escrita ainda mais irregular acompanhada de sentimentos de desconforto e frustração.

Outra disparidade comum é o aluno ter uma habilidade matemática excepcional, sendo, porém, medíocre em ortografia e escrita. Como a escola tende a esperar que o aluno progrida de uma maneira homogênea em diferentes disciplinas, isto pode gerar dificuldades para o aluno, sobretudo de natureza emocional.

Também a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e a maturidade afetiva é analisada por Terrassier (1979). Este autor considera que o superdotado pode ser, por exemplo, dominado pelo medo e ansiedade oriundos de reflexões que faz a respeito de problemas enfrentados pela humanidade ou a partir de leituras sobre temas geradores de ansiedade, com as quais ele não sabe lidar.

Apesar de ser o desenvolvimento assincrônico bastante discutido pelos especialistas da área, segundo Silverman (2002), o mesmo não foi ainda estudado de forma sistemática, sendo a vasta maioria da literatura, referente a esta faceta do desenvolvimento, baseada em observações clínicas de indivíduos superdotados, com base na análise de sua experiência fenomenológica.


O perfeccionismo, excesso de autocrítica, sensibilidade exacerbada, entre outras características associadas à dimensão emocional, têm sido também apontados com possíveis fontes de stress para crianças e jovens com altas habilidades intelectuais. O perfeccionismo diz respeito a "uma combinação de pensamentos e comportamentos geralmente associados a altos padrões ou expectativas com relação ao próprio desempenho" (Schuler, 2002, p. 71), variando em uma gradação que vai do normal ou saudável ao neurótico ou não-saudável. Estudos realizados por Schuler (2000, 2002; Schuler & cols., 2003) e Moreira (2005) constataram que muitos superdotados apresentam o perfeccionismo que se caracteriza como saudável, constituindo-se em uma influência positiva para a sua realização pessoal. Estes estabelecem altos padrões de desempenho, dedicam-se com afinco e comprometimento na realização das tarefas referentes às metas que almejam alcançar, têm expectativas mais realistas com relação a si mesmos, apresentam sentimentos de prazer ao perceber o resultado positivo de seus esforços, reconhecendo e aceitando tanto os seus pontos fortes quanto as suas limitações. Por outro lado, os perfeccionistas neuróticos são incapazes de se sentirem satisfeitos com o seu próprio desempenho, uma vez que consideram que o que fazem nunca atinge o nível que gostariam. É comum refazerem o mesmo trabalho muitas vezes, investindo uma grande quantidade de tempo e energia para alcançar o nível de qualidade que desejam nas tarefas realizadas. São ainda dominados pelo medo do fracasso, excessivamente autocríticos e altamente sensíveis às críticas externas, além de considerarem os próprios erros, não como uma oportunidade para aprender, mas antes como algo humilhante, a ser evitado a todo custo. É freqüente apresentarem-se como ansiosos, preocupados e inseguros a respeito de seu desempenho.

No Brasil, um estudo realizado por Moreira (2005), com uma amostra de 51 estudantes superdotados, que freqüentavam o programa para alunos com altas habilidades da Secretaria de Educação do Distrito Federal, indicou que 34 (66,67%) se classificaram como perfeccionistas saudáveis e 10 (19,61%) como perfeccionistas não-saudáveis. Um percentual similar de perfeccionistas foi observado em estudo realizado por Schuler (2000), com uma amostra de 112 alunos superdotados, dos quais 98 se identificaram como perfeccionistas. Entretanto, deste total, 65 (58,03%) da amostra total foram classificados como saudáveis e 33 (29,46%) como não-saudáveis. Tais resultados chamam a atenção para um número significativo de alunos superdotados que necessitam de assistência, no sentido de que possam compreender e lidar melhor com a psicodinâmica de sua conduta, buscando reverter a dimensão disfuncional e destrutiva do perfeccionismo que apresentam.

A sensibilidade e intensidade emocionais observadas entre superdotados têm sido examinadas especialmente à luz da teoria de Dabrowski do desenvolvimento emocional (O'Connor, 2002; Piechowski, 1991). Esse psiquiatra polonês, que estudou a saúde mental de superdotados nas áreas intelectuais e artísticas, propôs a teoria da desintegração positiva, identificando altos níveis de excitabilidade, que se manifestariam em distintas dimensões da vida psíquica (psicomotora, sensorial, intelectual, emocional e imaginativa), considerados por ele como catalisadores para um desenvolvimento emocional mais avançado. Distintas escalas foram construídas para avaliar os altos níveis de excitabilidade. Estratégias foram também elaboradas, com base nessa teoria, para ajudar o superdotado a lidar e apreciar essa característica de seu desenvolvimento emocional, que tradicionalmente é pouco compreendida por pais e professores.

Um dos tópicos que vêm sendo objeto de intensa discussão por parte dos estudiosos da superdotação, em especial daqueles interessados nas necessidades sócio-emocionais do superdotado, é o fenômeno do subrendimento. Este tem sido, por exemplo, o problema mais focalizado no programa de Aconselhamento Familiar do Centro Internacional Connie Belin & Jacqueline N. Blank para a Educação do Superdotado e Desenvolvimento do Talento da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos (Colangelo & Assouline, 2000). Embora não haja pleno acordo quanto à sua definição, poder-se-ia ressaltar que o que caracteriza o subrendimento é uma elevada discrepância entre o desempenho acadêmico e indicadores de um alto potencial intelectual, como, por exemplo, resultados em testes de inteligência (Butler-Por, 1993; Colangelo & Assouline, 2000; Passow, Mönks & Heller, 1993).

Entre os fatores que contribuem ou estão associados ao subrendimento, poder-se-iam apontar tanto características individuais quanto elementos da família, escola e sociedade. Os distintos fatores relacionam entre si de maneira interdependente e complexa. Entre as características individuais, ressaltam-se, entre outras, uma baixa auto-estima, depressão, ansiedade, perfeccionismo, irritabilidade, não-conformismo, hostilidade e comportamento agressivo, lócus de controle externo, impulsividade e déficit de atenção (Alencar, 2001; Butler-Por, 1993; Colangelo & Assouline, 2000; Peterson, 2003; Reis & McCoach, 2002, Rimm, 1991). Baixas expectativas parentais, atitudes inconsistentes dos pais a respeito das realizações do filho, excessiva pressão dos pais em relação ao desempenho acadêmico, conflitos familiares e clima predominante no lar, refletindo em menor grau de apoio, segurança e compreensão das necessidades da criança ou jovem são características da família que podem também contribuir para o subrendimento do aluno. Um ambiente acadêmico pouco estimulante, métodos de ensino centrados no professor, excesso de exercícios repetitivos, baixas expectativas do professor com relação ao desempenho do aluno, pressão ao conformismo, procedimentos docentes rígidos, com estandardização do conteúdo, aliado ao pressuposto de que todos os alunos devem aprender no mesmo ritmo e de mesma forma, além de uma cultura anti-intelectualista são elementos que também ajudam a explicar o fenômeno do subrendimento. Ademais a necessidade de ser aceito pelos pares faz com que muitos alunos com altas habilidades, que se encontram na escola regular, optem por disfarçar o seu potencial intelectual superior, apresentando um rendimento acadêmico muito aquém de suas possibilidades.



A NECESSIDADE DE ORIENTAÇÃO E ACONSELHAMENTO AO SUPERDOTADO E À FAMÍLIA


Com o objetivo de ajudar o superdotado que apresenta problemas e dificuldades de ordem psicológica, vários centros e serviços de aconselhamento foram criados, especialmente nos Estados Unidos, país que mais tem investido na educação daqueles alunos que se destacam por um potencial superior. Um destes Serviços, denominado Programa de Apoio às Necessidades Emocionais do Superdotado foi, por exemplo, fundado há mais de 20 anos na Wright State University, após o suicídio de um adolescente intelectualmente brilhante. Alguns destes centros, como o da Universidade de Iowa, vem atuando não apenas no aconselhamento psicológico, mas também na orientação vocacional e aconselhamento familiar (Colangelo, 1991). Entre os problemas, que têm sido apontados entre superdotados que necessitam desses serviços, salientam-se o perfeccionismo e medo do fracasso, ambivalência a respeito de si mesmo, baixa auto-estima, subrendimento, desvio das normas impostas pela família e pelo grupo de mesma idade, além do isolamento social.



Por outro lado, um dos problemas críticos enfrentados por muitos superdotados na escolha profissional diz respeito às pressões para que sigam determinadas carreiras mais valorizadas socialmente e que são tidas como mais adequadas àqueles alunos que se destacam por suas habilidades superiores. Segundo Colangelo (1991), estas pressões podem dificultar a este aluno "seguir o seu coração" na escolha profissional, diante da oposição encontrada na própria família, que não deseja ver o filho desperdiçar o talento em áreas tidas como de menor prestígio.

Outras dificuldades podem ser vividas também pelo superdotado no meio da família em função de pais superambiciosos, que pressionam permanentemente o filho para que ele se destaque cada vez mais, vendo neste um caminho para a sua própria realização e satisfação de desejos frustrados de sucesso e projeção.


Também a família do superdotado, muitas vezes, necessita de aconselhamento. Algumas têm dificuldade em lidar com a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e emocional do superdotado, sendo esta, inclusive, a maior dificuldade apontada pelos pais nas suas relações com filhos que se destacam por uma inteligência superior, conforme observado por Landau (1990). Muitos pais sentem-se perdidos sobre a melhor maneira de lidar e orientar o seu filho com altas habilidades. Esta dificuldade é sentida com freqüência em nosso meio, dado o reduzido número de programas de ordem acadêmica voltados para o superdotado, que venham a atender às suas necessidades de aprendizagem e possibilitar-lhes o contato com colegas que também se sobressaem por um potencial superior. O problema se agrava diante dos preconceitos e idéias errôneas sobre o superdotado, comuns em nosso meio, dificultando a sua adaptação na escola, podendo levar a um enorme desperdício de potencial e de talento, conforme temos apontado em várias publicações (Alencar, 1986, 1994, 2001; Alencar & Fleith, 2001)
Eu mesma já cometi o erro flagrado pelo autor deste artigo, abaixo : “ É comum, por exemplo a família esperar comportamentos típicos de uma criança mais velha por conta das habilidades intelectuais mais avançadas, o que, entretanto, não ocorre, gerando insatisfação e irritação de ambas as partes” . Já esperei e cobrei um determinado comportamento da minha filha, só porque, intelectualmente, ela pensa e age como uma criança dois ou três anos mais velha do que, de fato, ela é... E isto causa uma sensação de impotência e desgaste em nossa relação (mãe / filha). E o mais curioso é que, nestas horas, é ela quem me chamava a atenção, para me lembrar que ela.. só tinha, ainda.. X (7, 8 ou 9) anos .... Como, em muitas ocasiões eles são tão maduros em suas conversas e pensamentos, nós pais, que convivemos mais com eles, nos esquecemos que eles só têm a idade que tem.. e sem querer, cobramos certas atitudes, posturas ou reações de uma criança que apresenta a mesma idade mental que elas..

Um comentário:

  1. Eu achei este texto ótimo e bem elucidador do que nós, pais, passamos ... Esta questão de criarmos muita expectativa em torno deles e de como isto pode repercutir de forma negativa neles é bem importante e deve ser considerada. Expectativas em torno das carreiras, de que, sem querer, a gente acaba por tratá-los como crianças mais velhas.. isso tudo foi muito bem colocado. Valeu !

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