terça-feira, 19 de julho de 2011

TDAH e Superdotação


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Posted: 1 01UTC julho 01UTC 2011 by pauloliberalesso in Artigos Sobre Neuropediatria


Tags:genialidade, superdotação, superdotado, TDAH




Por Mara Lúcia Cordeiro e Antônio Carlos de Farias.


O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é considerado a doença de base neurobiológica com repercussão comportamental mais comum na infância, sua prevalência em escolares é estimada entre 3 a 7% (Wolraich et al., 1996; McCracken, 1998; Swanson et al., 1998). Trata-se de uma doença crônica, cujos principais sintomas são a atividade motora excessiva, falta de atenção, e dificuldades de manter atitude reflexiva diante de estímulos sensoriais – impulsividade. Estas características tendem a persistir na adolescência e na vida adulta, gerando problemas no funcionamento diário, que se não detectados e tratados durante a infância, irão aumentar o risco de a criança desenvolver na vida adulta problemas psicológicos ou outros transtornos psiquiátricos mais graves que dificultarão seu progresso emocional, educacional, econômico e social (Cordeiro e Farias, 2010).


O DSM-IV-TR propõe uma classificação do TDAH em quatro subcategorias, de acordo com os sintomas prevalentes e as dificuldades funcionais: 1) TDAH predominante desatento – (TDAH-D): presença de seis ou mais sintomas de desatenção; 2) TDAH predominante hiperativo/impulsivo – (TDAH-HI): presença de seis ou mais sintomas de hiperatividade e impulsividade; 3) TDAH tipo combinado – (TDAH-C): presença de seis ou mais sintomas de desatenção, associado a seis ou mais sintomas de hiperatividade e impulsividade; 4) TDAH Sem Outra Especificação – (TDAH-SOE): termo usado para indivíduos (geralmente adolescentes e adultos) nos quais os sintomas estão presentes antes dos sete anos de idade, porém em quantidade inferior ao mínimo preconizado, ainda que possam causar comprometimento funcional significativo. Embora esta classificação contemple as diferenças de comportamento observadas na prática clínica, ainda não existe evidencias de um perfil cognitivo para cada subtipo de TDAH. Vários estudos epidemiológicos apontaram maior prevalência de dificuldades acadêmicas e problemas internalizantes nos portadores de TDAH predominante desatento e de problemas externalizantes nos portadores de TDAH predominante hiperativo/impulsivo, porem estas diferenças não se correlacionam com desempenho cognitivo verificado nos diferentes testes neuropsicológicos.


Paradoxalmente também é comum observar-se na prática clínica sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade em crianças com altas habilidades cognitivas (QI>120). Nestas situações o clínico se depara com dilemas: a criança é simplesmente super dotada ou portadora de TDAH? Pode ter as duas situações? Há necessidade de tratamento medicamentoso? Os elevados índices de prevalência e problemas psicossociais associados ao TDAH associados a sua ocorrência em todos os países e estratos sócios econômicos, impulsionaram a realização de pesquisas cientificas sobre os fatores envolvidos neste transtorno porem, mesmo com pujança de publicações, são raros os estudos que investigaram respostas a estas questões. As evidências mais recentes mostram que aproximadamente 10% da população possuem QI total acima de 120 pontos (Antshel et al., 2007; Antshel, 2008). Considerando-se que o TDAH afeta entre 3 a 7% das crianças é estatisticamente concebível que exista sobreposição entre estas duas condições (Cordeiro et al., 2010).


Vários comentários e artigos divulgados em websites chamam atenção para o fato de que as características sintomáticas das crianças portadoras de TDAH e quociente de inteligência médio (Qian et al., 2004) são muito similares ao das crianças sem diagnóstico de TDAH, mas, com QI elevado (Barkley 2006; Cramond, 1994). Esta constatação tem sido motivo de controvérsias, porque há pouquíssimas pesquisas empíricas utilizando métodos diagnósticos adequados para validá-la. Em uma consulta utilizando o Medline encontramos somente quatro artigos no período de 1983 a 2010 abordando este assunto (Antshel et al., 2009; Brown et al., 2009; Cordeiro et al., 2010).


Altas habilidades cognitivas ou superdotação e criatividade são características interligadas; Algumas pessoas possuem altas habilidades em áreas especificas, outras, possuem em vários domínios da cognição, e adicionalmente outros possuem grande criatividade, são os nominados “gênios”. Em alguns casos, a genialidade pode associar-se a Transtornos Mentais (p.ex. esquizofrenia e arte – Vicent Van Gogh; Transtorno Bipolar e musica – Mozart). A diferenciação entre altas habilidade em áreas específicas, em todos os domínios da cognição e genialidade é muito importante para estimar a prevalência destas características na população geral. Para uniformizar a nominação e consequentemente diminuir as variáveis, pesquisadores restringiram a definição de “superdotação” para crianças que apresentam QI Total>120, medido por escalas estandardizadas como o teste de inteligência WISC-III (Antshel et al., 2007; Antshel et al., 2008; Cordeiro et al., 2010). Crianças com superdotação realmente apresentam características comportamentais muito similares às das crianças com TDAH.


O fato de viverem concentradas em seus pensamentos, imaginando soluções para os problemas, causa impressão em quem as observa de falta de atenção aos estímulos externos. Também podem apresentar características de hiperatividade, porém, enquanto nelas a hiperatividade é uma energia que tem direcionamento e foco, na criança com TDAH a hiperatividade é observada como um movimento constante sem direção e foco. Também podem apresentar comportamentos disruptivo e opositivo na escola. Nas superdotadas, estes comportamentos estão relacionados com atividades não-estimuladoras e que consideram muito simples, enquanto que nas crianças portadoras do TDAH estão relacionados aos sintomas primários do transtorno. Um complicador para esta questão é que existem crianças que apresentam as duas situações, são portadoras de TDAH e apresentam superdotação.


Um estudo empírico realizados recentemente comprovou a validade do diagnóstico do TDAH em crianças superdotadas (Cordeiro et al.2010). Nestes casos, as crianças apresentam incidência maior de problemas comportamentais e, apesar do alto nível de cognição, apresentam baixas habilidades emocionais e tendem a ter mal desempenho escolar devido aos sintomas de déficit de atenção e impulsividade. Outro estudo demonstrou em crianças portadoras do TDAH com superdotação índices maiores de pais também portadores do TDAH, mas não necessariamente com superdotação, o que indica pré-disposição genética para o TDAH, mas não para superdotação. As crianças também apresentaram mais comorbidades e déficits funcionais quando comparados ao grupo “controle” (TDAH com QI médio) (Antshel et al., 2007).


É comum na pratica clínica a utilização de escalas ou questionários que contem informações sobre comportamento, pensamento, humor e atenção para auxiliarem no diagnostico de transtornos cognitivo comportamentais. Quando os médicos usam somente esses tipos de escalas, o risco de uma criança que é superdotada sem ter TDAH, acabar sendo medicada por TDAH é grande. Constatamos esta possibilidade em nossa linha de pesquisa no IPPP. Além das escalas de triagem, também utilizamos testes psicométricos, entrevistas estruturadas (C-DISC) e somente concluímos o diagnóstico utilizando os critérios do DSM-IV-TR (APA). Com esta metodologia, identificamos uma porcentagem de crianças superdotadas e sem TDAH para as quais haviam sido previamente prescrito, desnecessariamente, medicamentos psicoestimulantes (Cordeiro et al., 2010; Farias et al., 2010). Um dos aspectos chave para diferenciar crianças com altas habilidades sem TDAH de crianças com altas habilidades e com TDAH, é que os sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade estão presentes em dois ambientes ou mais (p.ex. escola e casa) na criança com TDAH, enquanto que na criança sem o TDAH os sintomas geralmente estão presentes em um ambiente (geralmente na escola). Em resumo, é evidente a necessidade de mais estudos empíricos epidemiológicos com métodos diagnósticos padronizados sobre esse tema, porque determinam procedimentos diagnósticos e terapêuticos mais adequados a cada tipo de situação.


Embora o bom desempenho em testes de inteligência tenha sido associado com sucesso acadêmico e profissional (Neisser et al., 1996; Schmidt and Hunter, 1998), o mesmo não ocorre com o TDAH, nos casos não tratados há uma grande incidência de desfechos negativos em relação à escolaridade, problemas comportamentais mais graves, empregabilidade, relacionamentos e satisfação pessoal (Mannuzza et al., 1993). Portanto, a coexistência entre TDAH e Superdotação quando não reconhecidos e tratados adequadamente, podem piorar um prognóstico de qualidade de vida que inicialmente poderia ser favorável.



Dra. Mara Lúcia Cordeiro é Neurocientista Ph.D. formada na Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA; Doutora em Medicina Molecular e Farmacologia (UCLA) com ênfase nos Transtornos Mentais; Pós-doutora em Neurobiologia Celular (UCLA Brain Research Institute); coordenadora de Pesquisas em Neuropsicofarmacologia do IPPPP; orientadora de Mestrado e Doutorado da FPP; professora Adjunta de Psiquiatria e Ciências Biocomportamentais da Escola de Medicina David Geffen da UCLA.


Dr. Antônio Carlos de Farias é Neuropediatra formado pela Universidade Autônoma de Madri, Espanha; Especialista em Neurologia Infantil pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); Responsável pelo Ambulatório de Distúrbios do Desenvolvimento da Unidade de Neurologia Infantil do Hospital Pequeno Príncipe (UNIPP), mestre em Biotecnologia Aplicada a Saúde da Criança e do Adolescente com ênfase em Neurociência pelas Faculdades Pequeno Principe e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe (IPPPP) em Curitiba.


Referências;

(1) Antshel KM (2008) Attention-Deficit Hyperactivity Disorder in the context of a high intellectual quotient/giftedness. Dev Disabil Res Rev 14:293-299. (2)Antshel KM, Faraone SV, Maglione K, Doyle A, Fried R, Seidman L, Biederman J (2008) Temporal stability of ADHD in the high-IQ population: results from the MGH Longitudinal Family Studies of ADHD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 47:817-825. (3) Antshel KM, Faraone SV, Maglione K, Doyle A, Fried R, Seidman L, Biederman J (2009) Is adult attention deficit hyperactivity disorder a valid diagnosis in the presence of high IQ? Psychol Med 39:1325-1335. (4) Antshel KM, Faraone SV, Stallone K, Nave A, Kaufmann FA, Doyle A, Fried R, Seidman L, Biederman J (2007) Is attention deficit hyperactivity disorder a valid diagnosis in the presence of high IQ? Results from the MGH Longitudinal Family Studies of ADHD. J Child Psychol Psychiatry 48:687-694. (4) APA (2000) Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders-Fourth Edition, Text Revision. Washigton, DC: American Psychiatric Association (APA) , tradução no Brasil Artmed Ed. (5) Brown TE, Reichel PC, Quinlan DM (2009) Executive function impairments in high IQ adults with ADHD. J Atten Disord 13:161-167. (6) Cordeiro ML, Farias AC (2010) Transtornos Mentais em Crianças e Adolescentes:Mitos e Fatos, 1st Edition. Curitiba, PR: Associação Hospitalar de Proteção a Infancia Dr. Raul Carneiro. (7) Cordeiro ML, Farias AC, Cunha A, Benko CR, Farias LG, Costa MT, Martins LF, McCracken JT (2010) Co-Occurrence of ADHD and High IQ: A Case Series Empirical Study. J Atten Disord. (8) Cramond B (1994) Attention-deficit hyperactivity disorder and criativity: What is the connection? J Creative Behavior:193-210. (9) Farias AC, Cunha A, Benko CR, McCracken JT, Costa MT, Farias LG, Cordeiro ML (2010) Manganese in children with attention-deficit/hyperactivity disorder: relationship with methylphenidate exposure. J Child Adolesc Psychopharmacol 20:113-118. (10) Mannuzza S, Klein RG, Bessler A, Malloy P, LaPadula M (1993) Adult outcome of hyperactive boys. Educational achievement, occupational rank, and psychiatric status. Arch Gen Psychiatry 50:565-576.(11) McCracken J (1998) Textbook of Pediatric Neuropsychiatry: American Psychiatric Association Press. (12) Neisser U, Boodoo G, Bouchard Jr. T, Boykin A, Brody N, Ceci SJ, Halpern DF, Loehlin J, Perloff R, Sternberg R, Urbina S (1996) Intelligence: Knowns and unknowns Am Psych 51:77-101. (13) Qian Q, Wang Y, Zhou R, Yang L, Faraone SV (2004) Family-based and case-control association studies of DRD4 and DAT1 polymorphisms in Chinese attention deficit hyperactivity disorder patients suggest long repeats contribute to genetic risk for the disorder. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet 128B:84-89. (15)Schmidt F, Hunter J (1998) The validity and utility of selection methods inpersonnel psychology: practical and theoretical implications of 85 years of research findings. Psychol Bull 124:262-274. (16) Swanson JM, Sergeant JA, Taylor E, Sonuga-Barke EJ, Jensen PS, Cantwell DP (1998) Attention-deficit hyperactivity disorder and hyperkinetic disorder. Lancet 351:429-433. (17) Wolraich ML, Hannah JN, Pinnock TY, Baumgaertel A, Brown J (1996) Comparison of diagnostic criteria for attention-deficit hyperactivity disorder in a county-wide sample. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 35:319-324.

2 comentários:

  1. Ótimo texto !!! Muito esclarecedor, prá um assunto tão pouco divulgado e estudado.

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